A origem da data
É em homenagem a história de ativismo social, liderança e resistência religiosa de Mãe Gilda que a data de 21 de janeiro foi escolhida como o Dia Nacional de combate à intolerância religiosa. Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, foi a fundadora do terreiro de Candomblé “Ilê Axé Abassá de Ogum” no bairro de Itapuã em Salvador em 1988. Sua trajetória de vida foi marcada por ações que viabilizavam melhorias para a comunidade do seu bairro. Mão Gilda sofreu recorrentes episódios de agressões, difamações e intolerâncias, chegando a ter sua moradia e terreiro invadidos e depredados por representantes de outra religião. Em uma data como essa, há 25 anos, Mãe Gilda falecia vítima de um infarto, deixando seu legado de resistência a toda a comunidade candomblecista.
Combate à Intolerância Religiosa no Brasil
Embora a Constituição Federal de 1988 assegure o direito civil à liberdade religiosa, e mais tarde, a Lei nº 9.459/97 englobe a discriminação ou preconceito religioso como prática criminosa, o cenário de intolerância, que remonta há séculos no Brasil, desvela, por meio das crescentes denúncias registradas no canal Disque 100 (Disque Direitos Humanos), que, apesar do aparato legislativo, o combate ao preconceito ainda se configura como um desafio para a convivência democrática no país.
Segundo dados do portal do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em 2024 houve registros de 2.472 denúncias e 3.853 violações de direitos humanos relacionadas à intolerância religiosa, aumento de 66,8% e 81% comparados aos casos registrados em 2023, quando foram compiladas 1.482 denúncias e 2.128 violações. Os números ainda superam a mesma comparação entre anos anteriores.
Conforme o painel da Ouvidoria, as vítimas de violações mais frequentes pertencem, nessa ordem, às religiões da Umbanda, do Candomblé, outras tradições afro-brasileiras, além de evangélicos e católicos.
Raízes Históricas e Desafios Contemporâneos
Indubitavelmente, os aspectos históricos e socioculturais na formação da sociedade brasileira se relacionam intrinsecamente com a questão da intolerância religiosa em nosso país. O período de colonização do território brasileiro, marcado pela exploração e submissão de povos originários e africanos pelos europeus preconiza a herança (indesejável) de comportamentos intolerantes no Brasil.
A imposição da Cultura “padrão” eurocêntrica, constituiu parte do processo de dominância. Dessa forma, converter os nativos à fé cristã tinha por desígnio efetivar o projeto colonial a partir de uma iniciativa ético religiosa que prepararia os nativos para servirem de mão-de-obra nos trabalhos coloniais. As manifestações de crenças e rituais dos nativos eram vistas como práticas maléficas e inferiores à humanidade, e, por isso, os que resistiam à imposição dos jesuítas eram castigados. Posteriormente, os africanos escravizados também sofreram as imposições europeias. Para manter viva a crença, e consequentemente, sua cultura, passaram a praticar o sincretismo religioso como forma de cultuarem seus orixás, através das imagens católicas.
Mesmo após o longo período de escravidão, a liberdade religiosa ainda estava longe de ser concretizada. O Estado brasileiro não tomou medidas para compensar os prejuízos e desvantagens históricas dos negros, perpetuando as dinâmicas excludentes da sociedade. Nesse contexto, práticas religiosas afro-brasileiras, como a Umbanda, foram perseguidas por Delegacias até os anos 1960 e vistas como ameaça pelo catolicismo associado à marginalidade e à miséria, reforçando estigmas em um país que buscava uma modernização no período, no entanto, mantinha estruturas de exclusão.
Ainda hoje, as religiões afro-brasileiras continuam sendo as principais vítimas de preconceito, com casos de violência e ataques, tanto físicos quanto morais, sendo noticiados pela mídia.
Além da intolerância às religiões de matriz africana, as minorias religiosas, como judeus, muçulmanos, espíritas também são acometidos pelo preconceito, assim como os espíritas, ateus e agnósticos, muitas vezes vistos como desviados ou imorais. Os povos indígenas também enfrentam discriminação religiosa, com suas práticas espirituais sendo frequentemente deslegitimadas, ridicularizadas ou atacadas por grupos missionários que tentam introduzir à força religiões em suas comunidades. Mesmo entre cristãos, os conflitos entre católicos e evangélicos ocorrem.
Esses preconceitos, frutos da violência e imposição de uma verdade absoluta espiritual, coexistem com a crescente influência de grupos religiosos na política, como a Frente Parlamentar Evangélica no Legislativo. Embora o Estado brasileiro seja laico, esses grupos pressionam por pautas que refletem valores religiosos, impactando políticas públicas e restringindo direitos civis. Essa interferência contradiz o princípio da laicidade e compromete a diversidade religiosa do país.
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